A paixão segundo G.H. / Clarice Lispector
Vivendo uma liberdade recentemente ampliada, G.H.; mulher sem filhos e marido, financeiramente independente, se entrega a reflexões, em um introspectivo monólogo sobre sua condição.
Deriva a um vai-e-vem de questionamentos que antecipa uma visita ao quarto da empregada que se despediu, e amplia-se a partir de então - com espanto. É como uma máquina de costura que repica sobre si mesma, a golpes de agulha, na construção de uma pele.
Mas, quem é G.H.? Por acaso duas consoantes na ordem lógica do alfabeto? Uma incógnita ao acaso? Quantas desconhecidas poderiam surgir da composição dessas iniciais? Alguma delas seria a G.H. que se procurava entre as outras? Ela sabia quem era, mas, "entre quais eu sou?", se perguntava.
No quarto vazio da empregada, descobre-se julgada em silêncio, por quem de fato não conhecia e lhe era indiferente, invisível. Percebe um universo incômodo e intruso, que abriga dentro de uma construção sua das coisas que lhe falam ao conforto da alma.
Mas o que a repugna, é a barata encontrada no vão do guarda-roupa. A mesma que se sabia antes da humanidade, tão bem, a ponto de nunca ter precisado modificar-se para sobreviver, satisfeita de si mesma, perfeita, imortal, por mais que atingida pelo nojo.
Clarice organiza o pensamento, meticulosamente. Aprofunda-se o quanto pode na análise do ser humano. Menos, nesse qualquer que ela só conhece de relance - e ainda que cheia de incertezas - nesse eu que precisa ser dissecado. Sabe que tudo será em vão. Que repete as conclusões que a humanidade chegou para o que nunca deve ter resposta, mas quer encontrar-se na solução de si mesma, duvidando que seja ela mesma, improvável e réplica.
... alguns trechos
esqueceram-se de mim, foram embora sem me retirarem, e, julgada morta, fiquei assistindo."
A Autora e a Obra